O estudo da culinária brasileira é, em primeiro lugar, pesquisa geográfica. Depois, seguem os estudos históricos e sociais para, a partir daí, poder explorar o universo da alimentação regional e a diversidade cultural existente na nossa cozinha típica.
É bem complicado mesmo, vou tentar resumir.
O Brasil possui mais de oito milhões de km², sendo sete mil deles banhados pelo oceano. Encontra-se aqui uma das maiores biodiversidades do planeta, onde o clima favorece as distintas formações observadas nos quatro cantos do País: caatinga, cerrado, florestas, pampas e por aí vai. “Aqui, tudo que se planta, dá” é a frase mais apropriada para sintetizar a potencialidade de nossa terra, essa que ainda é beneficiada por uma enorme quantidade de rios, lagos e lagoas. Bendito és Brasil!!
Conclusão: são quilômetros e quilômetros de solo cultivável, milhares de espécies vegetais dentre frutas, verduras e legumes, gado, aves e peixes em abundância… Preciso dizer mais? Pura Geografia.
A História.
O mais importante é entender o papel do índio. Na verdade, ele é o protagonista, dono da terra e profundo conhecedor do que a natureza oferecia. Usou muito bem dos recursos da caça, pesca e coleta, explorando os ingredientes naturais ao máximo, grande característica da culinária indígena. Dele herdamos o uso da mandioca, das frutas nativas e o conhecimento de grande parte das ervas e plantas que utilizamos.
Bom, chegam os portugueses e com eles os africanos, os espanhóis, os holandeses, os franceses, os alemães, os italianos e muitos outros ao longo de séculos de colonização. A fusão entre todas essas culturas e a cultura indígena é a maior premissa da gastronomia brasileira. A “mistura” mais característica é a dos nativos do Brasil e da África com seus colonizadores portugueses, mas a influência dos outros costumes é tão importante para a culinária nacional quanto o bacalhau seco, os ensopados e a doçaria portuguesa ou o dendê, o coco e os camarões secos trazidos pelos africanos.
A exploração da monocultura e do sistema escravocrata também influenciou a alimentação brasileira. Com a falta de rotação de culturas (primeiro a cana, depois o café), o solo acabou sofrendo um empobrecimento gradual ao longo dos anos, que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), é uma das maiores causas de anemia dentre pessoas que sempre tiveram acesso à alimentação balanceada. A péssima distribuição de renda que encontramos no Brasil também teve parte de sua origem nesses fatores. A existência de escravos acelerou o processo de concentrao de riqueza e contribuiu para o surgimento de lendas como a da feijoada – diz que o prato surgiu nas senzalas e que eram usados pedaços do porco rejeitados pelos senhores, por isso o pé, a orelha, o rabo, “restos” não tão “nobres” do animal. Mas como não perceber a proximidade com os guisados europeus? O cassoulet francês, o cozido madrileno ou a caldeirada portuguesa? De qualquer maneira, as imensas controvérsias dessa má distribuição estão presentes até hoje. Um País onde a fome ronda as esquinas, enquanto o lixo produzido está entre um dos mais ricos do mundo.
Para que falar sobre tudo isso para falar sobre a gastronomia brasileira?
Sem entendermos a base das informações do conjunto de fatores que caracterizam o “arroz e feijão” dos pratos brasileiros, fica impossível entender como um País tão miscigenado possa possuir uma identidade culinária tão marcante. Fora toda a influência dos imigrantes e a surpreendente comida típica regional, existem ainda outras particularidades gastronômicas encontradas somente por aqui: comemos tudo ao mesmo tempo, de uma vez só, algumas vezes, a sopa ou a salada funciona como entrada no cardápio do dia-a-dia; comemos na rua, nas feiras e em grandes comemorações religiosas; comemos salgadinho, lanche, docinho, pastel e qualquer outro quitute que seja servido em padarias, tabuleiros, festinhas de criança, botecos e casamentos; comemos e sempre bebemos café ou cachaça – o que seria de uma refeição sem uma “branquinha” como aperitivo ou um “pretinho” como digestivo? Enfim, comemos à brasileira. Absorvemos bem toda a “mistura”, essa é nossa maior marca gastronômica.
Há anos, chefs de todo Brasil levantam a bandeira da gastronomia brasileira, numa luta justa para mostrar a riqueza, sabor e diversidade dos nossos pratos. Em 2003, o chef Alex Atala, defendeu a culinária regional, colocando em suas receitas ingredientes da Amazônia, especificamente os paraenses, conforme exposto em seu primeiro livro Por uma Gastronomia Brasileira. Em 2012, esse movimento se intensificou com a criação da Associação Brasil à Mesa, liderado pela chef Mônica Rangel, que tinha como principal objetivo preservar, desenvolver e promover a culinária brasileira e seus autores. Aliados a isso, surgiram os famosos programas gastronômicos, que foram conquistando o gosto popular, e passaram a reforçar esse tema, contribuindo com a disseminação do conhecimento e exposição das comidas típicas do país. Desde então, pratos da cozinha brasileira, como pato no tucupi, tacacá, arroz com pequi e barreado, por exemplo, tornaram-se não apenas conhecidos, mas passaram a fazer parte da lista de desejos dos apreciadores da boa gastronomia.
Conhecer a cozinha brasileira é ir além dos pratos, é como realizar uma verdadeira viagem que nos leva ao conhecimento profundo das culturas e raízes do Brasil. Isso porque cada região tem suas características, influenciada pela mistura que reúne tradição, ingredientes e alimentos introduzidos pelos povos indígenas e imigrantes.
Com toda essa crescente popularidade, aumenta a busca por restaurantes de cozinha brasileira que possam levar essas experiências gastronômicas a todas as pessoas nos quatro cantos do país. Por isso, para quem pretende empreender no segmento, apresentaremos a seguir alguns pratos típicos de cada região, assim como seus ingredientes e características.
COZINHA BRASILEIRA DO NORTE DO PAÍS
Considerada o maior exemplo de culinária tipicamente nacional, reúne características indígenas com europeias. Tem como principais ingredientes o cupuaçu, guaraná, mandioca, jambu, pirarucu, tucunaré, urucum, além dos famosos açaí e castanha do Pará. Dentre os pratos típicos estão: Pato no Tucupi, Tacacá e Maniçoba.
COZINHA BRASILEIRA TÍPICA DO NORDESTE
Frutos do mar, raízes, temperos picantes e carne de sol, diversidade gastronômica resultante das variações climáticas que afetam a região, que também sofre influência africana e portuguesa. Tem como principais ingredientes o azeite de dendê, camarão, caranguejo, leite de coco, graviola, gengibre, mandioca e milho. Dentre os pratos típicos estão o acarajé, buchada, caranguejada, cocada, cuscuz, paçoca, tapioca e sarapatel.
COZINHA BRASILEIRA TÍPICA DO CENTRO-OESTE
Forte em pecuária, a gastronomia é sem dúvida focada em carne bovina, caprina e suína, que ainda recebe influência indígena e dos imigrantes africanos, portugueses, italianos e sírios. Além disso, o cardápio regional também conta com carnes exóticas e peixes típicos, devido a riqueza da fauna pantaneira. Dentre os ingredientes mais utilizados na região estão a carne seca, erva-mate, pequi, mandioca e milho. Os pratos típicos são arroz com pequi, sopa paraguaia, empadão goiano, caldo de piranha e vaca atolada.
COZINHA BRASILEIRA DO SUL
Com forte influência das colônias europeias ali instaladas, os pratos do Sul misturam referenciais italianas, alemãs, portuguesas e espanholas. No Rio Grande do Sul o churrasco é o prato principal, os demais estados contam ainda com massas, polentas, frangos, raízes e grãos.
Dentre os ingredientes mais utilizados, destacamos carne bovina e ovina, farinha de milho e erva-mate. Os pratos típicos são churrasco, barreado, galeto, arroz carreteiro, sopa de capeletti e catarinense.
COZINHA BRASILEIRA DO SUDESTE
A mais miscigenada de todas as regiões, a cozinha do Sudeste recebe hoje várias influências, nacionais e internacionais, no entanto, inicialmente a essência da culinária era indígena, portuguesa e africana, com raízes, carnes, grãos e vegetais. Atualmente os principais ingredientes são arroz, feijão, ovo, carnes, massas, palmito, mandioca, banana, batatas e polvilho. Entre os pratos típicos estão tutu de feijão, virado à paulista, moqueca capixaba, feijoada, picadinho paulista e pão de queijo.
Esperamos que nessa pequena viagem aos ingredientes e pratos principais de cada região seja possível observar o quanto a cozinha brasileira tem a oferecer. Empreender na culinária regional é uma forma de valorizar a cultura do Brasil e contribuir para que ela permaneça em constante ascensão.